Tenho em mim todas as sombras do
mundo. E elas vêm… tantas vezes elas vêm. Estou no meio e observo. E continuo
no meio… Tanta luz, tantas verdades, promessas… tantas trevas. E eu estou humanamente no meio.
Quero luz, quero brilho, quero Deus… quero o Deus em mim… mas tenho em mim
todas as sombras do mundo! Sei o que não sinto. Sinto o que não sei. Sei o que sei e sinto. Na confusão desisto, desarmo, perco-me e encontro-me.
Tudo o que observo é
projecção minha. Não há excepções. Sou eu a contadora de histórias, a
manipuladora de significados. A sombra sempre esteve atrás de mim. Quando olho
apenas para a luz… não a vejo. Se estiver mergulhada na escuridão… também não a
vejo. Percebo-a pela projecção. Aumento-a pelo significado. E é na mudança de significado que construo a ponte que me guia à liberdade.
A verdadeira guerra não é lá
fora, é cá dentro. A verdadeira prisão não tem grades nem muros. A cabeça explode e o coração aquieta-se. O coração sabe.
Humanamente no meio,
descobri que a sombra é um campo fértil. No mergulho sem máscara descubro quem
também sou e ainda não sabia. Descubro o que impede, o que aprisiona, o que
ilude… Exponho-me e descubro a curadora ferida. Na exposição vislumbro a
magnificência…
Na busca do conhecimento todos
os dias adquiro. Na busca da totalidade todos os dias deixo alguma coisa para
trás. E é assim que encontro em mim, também, todos os sonhos do mundo.
“Tive um sonho que me assustou e
me animou ao mesmo tempo. Era de noite, e encontrava-me num lugar desconhecido.
Avançava com dificuldade contra um vento forte. Uma densa bruma cobria tudo.
Nas minhas mãos em forma de taça, tinha uma débil luz que ameaçava extinguir-se
a todo o momento. A minha vida dependia dessa débil luz, que eu protegia
preciosamente. De repente, tive a impressão de que algo avançava atrás de mim.
Olhei para trás e apercebi-me da forma gigantesca de um ser que me seguia. Mas
ao mesmo tempo estava consciente de que, apesar do meu terror, devia proteger a
minha luz através das trevas e contra o vento. Ao acordar dei-me conta que a
forma monstruosa era a minha sombra, formada pela pequena chama que tinha
acendido no meio da tempestade. Sabia também que aquela frágil luz era a minha
consciência. A única que possuía, confrontada com o poder das trevas, era uma
luz, a minha única luz” - Recuerdos,
Sueños e Pensamientos – Carl Jung
Vera Braz Mendes